KOMPANHIA
instalações multimídia interativas
2005 - 2010Uma série de trabalhos foi executada entre 2005 e 2010 pelo encenador Ricardo Karman, com a colaboração de artistas de diversas áreas, como parte dos Ciclos Multiculturais que ocorriam todo final de ano no Centro de Cultura Judaica (hoje Unibes Cultural, SP). As instalações permaneciam em média um mês em cartaz e apresentavam como traço principal a imersão e o envolvimento do público no coração da experiência artística.
SOBREVIVENTES (“SALA DE CHUVA” - 2005)
Caminhar em um espaço em que, de repente, raios e trovões explodem, uma chuva torrencial desaba e você não se encharca. Era isso o que transcorria nesta obra pensada pelo diretor Ricardo Karman, que desembrulhava uma cadeia de sensações, impactos e percepções. Tratava-se de uma hidro-vídeo-instalação interativa ou uma "sala de chuva", montada especialmente para abrigar a proposta. O título remetia à ideia recorrente em várias religiões de que o céu está sempre acima de nós, “sobre-os-viventes.”
Antes de adentrar o ambiente escuro, as dez pessoas por vez calçavam botas de borracha, vestiam capas de proteção e recebiam um guarda-chuva branco. Assim paramentadas, ingressavam na tempestade efetiva, com relâmpagos e trovoadas. Subitamente e ao acaso, uma abóbada celeste azul e ensolarada abria-se em seu guarda-chuva, transformado agora em uma tela de projeção preenchida por imagens eletrônicas, criadas por Amir Admoni. Então o intimidante som do temporal e dos estrondos cediam lugar a alegres e inspiradoras canções temáticas, como Chove Chuva, de Jorge Benjor, e Raindrops Keep Falling on My Head, de B. J. Thomas, trilha sonora organizada por Felipe Gryts.
O bem-estar, no entanto, durava pouco e em menos de um minuto o tempo fechava novamente. Nuvens negras cobriam o firmamento e descargas elétricas voltavam a assombrar a escuridão. Restava aos que ali se encontravam descobrirem um novo foco de sol e de esperança, quando este irrompesse em algum outro ponto do recinto. Era um jogo protagonizado pelo público, mergulhado em um dilúvio minimalista com chuva de verdade e céu de mentira.
A intervenção era composta por dez projetores de vídeo na vertical, apontados para o solo. Por entre eles corria uma rede de canos perfurados, que proporcionavam o efeito "borrasca" cinco metros abaixo. A água era captada, filtrada e recirculada por um sistema hidráulico especialmente projetado para o conjunto.
A propósito, sete anos depois de ter projetado sua “sala de chuva” lowtech, o encenador viu em uma viagem à Nova York uma instalação de temática semelhante no Moma - Museu de Arte Moderna, de autoria dos artistas Hannes Koch e Florian Ortkrass. Com mais recursos tecnológicos, a versão americana dispensava o uso de guarda-chuvas. Cada vez que um participante pisava no chão, o aguaceiro que estava exatamente sobre ele era imediatamente interrompido e ninguém se molhava.
CORPO D’ÁGUA (2006)
Por solicitação da organização do evento, o trabalho deveria abordar o importante e contemporâneo tema da preservação da água. O diretor Ricardo Karman idealizou uma vídeo-instalação penetrável em um imenso balão de nylon. Ao embrenhar-se neste estranho e singular espaço, o aventureiro experimentava a sensação de estar apartado do mundo palpável.
Três balanços pendurados em um enorme tronco de árvore o convidava para o experimento lúdico. Por intermédio de uma minuciosa engenharia de vídeo-projeções, concebida pelo próprio encenador, imagens temáticas eram exibidas nas duas calotas do inflável, uma em frente à outra, perfazendo um ângulo de quase 360 graus. Balançando no ar, como se estivesse voando, o participante contemplava o conteúdo audiovisual. Embora estivesse em meio à água, cachoeira e chuva virtuais, na realidade ele flutuava no ar.
Todo o percurso pelo túnel cenográfico acontecia sob uma massa sonora, fundamental para a submersão. O mergulho nesse território insólito era uma maneira de fazer a pessoa sair do seu cotidiano, de experienciar uma história em que o tempo ganhava conotação infantil. Havia ali uma atmosfera de reflexão, de memórias ativadas, um retorno às brincadeiras de criança.
PNEUMA – INSTALAÇÃO AERO-CINÉTICA (2007)
Se a água, a terra e o fogo já haviam sido assuntos em suas obras anteriores, aqui o diretor Ricardo Karman criou um ambiente sensorial que tinha como escopo o ar. Desenhada pelo engenheiro mecânico Giovanni Fois, a tecnologia consistia na construção de um túnel de vento em formato circular. O público dispunha de uma "lojinha" no centro da instalação que oferecia apetrechos aero-cinéticos, como nariz de palhaço, luvas, capacetes, óculos, sutiãs e alguns artigos de sex shop, todos com hélices acopladas. Denominados Euviões e Vestiventos, tais acessórios, próteses e roupas eram conectados ao corpo de quem participava da jornada pelo interior do espaço.
Velocípedes, patinetes e bicicletas, equipados com dispositivos móveis acionados pelo vento, também faziam parte do projeto. Outra curiosidade era a presença de bolinhas de isopor espalhadas pelo piso, que “circulavam" sozinhas pelo local. Elas executavam curvas e mudavam de trajetórias automaticamente, como se fossem pilotadas por seres miniaturas em uma pista de corrida. A iluminação foi articulada para alternar momentos de claridade total e escuridão, um breu banhado por luz ultravioleta. O dispositivo propiciava ao conjunto cinético um inesperado espectro de cores e rastros luminescentes de muita beleza.
Devidamente adornado, o visitante se deslocava pelo túnel no sentido de captar o vento que girasse as hélices fixadas em si. Tornava-se, sem perceber, uma escultura em movimento, ao som de valsas vienenses. O espetáculo podia ser apreciado pelos espelhos da sala ou pelo camarote de vidro à disposição dos espectadores ao lado de fora.
O VASO MÁGICO DE LILLIPUT (2008)
Tratava-se de uma vídeo-interferência arquitetada pelo diretor Ricardo Karman, que explorava a verticalidade de uma clarabóia de vidro situada no alto da cafeteria da instituição. O dispositivo criava um espaço virtual para além da laje de concreto da cobertura, em conexão com um grande vaso de barro localizado no pátio externo do edifício. O jogo de simulação midiática entre eles compreendia uma experiência inusitada. Em tempo real e interativa, a vídeo-instalação contrapunha diferentes dimensões do simulacro mediado dos participantes.
Após caminhar por uma passarela, sobre um espelho d’água, o público se deparava com uma grande e antiga ânfora de argila. Ao enfiar a cabeça no fundo do objeto, ele flagrava, em dimensão diminuta, os clientes que por ventura se encontravam naquele momento no estabelecimento. Estes, por sua vez, avistavam um rosto imenso fitando-os pelo recorte da clarabóia. Ao mirar pelo buraco do recipiente, o que se observava era a figura dos frequentadores sob o ponto de vista de uma câmera fixada cinco metros acima no teto. E vice-versa: outra câmera, simultaneamente, também captava a face de quem espiava no interior da bilha e jogava a imagem no polígono envidraçado.
Na ausência de alguém emprestando seu semblante agigantado à clarabóia, um projetor de vídeo exibia temporariamente uma alegórica metrópole submersa. Esta era povoada por seres trajados de terno ou vestidos longos, que nadavam melancólicos em suas águas. Criadas pelo cineasta Amir Admoni, tais cenas oníricas dialogavam com o universo do pintor russo Marc Chagall, autor de pinturas que remetiam a sonhos e representações extraídos de devaneios e delírios. A impressão era a de haver uma piscina sobre o teto do instituto. Através de uma escotilha de vidro no seu fundo, podíamos contemplar tais estranhas criaturas em ação.
A mediação lúdica das mídias abalava as noções de medidas e volumes. O olhar pelo vaso revelava na cafeteria uma população de pessoas minúsculas, “lilliputeanas”. Em sentido reverso, estas enxergavam na clarabóia a silhueta de um colossal "Gulliveriano", uma citação à clássica história de Jonathan Swift. E no meio de tudo, imagens de Atlântida, a mitológica cidade que afundou no oceano.
VÍDEO-SUBMARINO e VÍDEO-ESCAFANDRO (2009)
Nestas duas vídeo-instalações, os participantes acoplavam à cabeça os protótipos de um vídeo-submarino ou de um vídeo-escafandro e protagonizavam uma viagem pelo entorno da instituição. Imersivas, ambas produziam em quem atuava uma vivência incomum, a partir da mediação da realidade por câmeras que substituíam a visão e audição.
Em Vídeo-Submarino, três pessoas simultaneamente inseriam a cabeça dentro de uma prótese-capacete no formato de um submarino, apoiada sobre seus ombros. Isoladas e sem contato com o mundo exterior, elas perdiam a consciência do concreto e passavam a se relacionar tão somente com o ambiente virtual criado no interior do submarino. Isto é, encontravam-se absorvidas em uma circunstância extraordinária e navegavam pelo real apenas por meio de equipamentos. Desalinhadas do eixo do olhar, as excêntricas imagens de fora, captadas pelas câmeras do submarino e reproduzidas nos monitores internos, proporcionavam estranhamento e dificuldade aos viajantes que guiavam a engenhoca.
Experiência análoga se repetia no individual Vídeo-Escafandro, quando o aventureiro conectava a máquina em sua cabeça. Diferentemente do submarino, a câmera estava instalada em um dispositivo externo, dado a um terceiro indivíduo, que colhia cenas improváveis a serem enviadas ao escafandro. Assim, uma inusitada relação se estabelecia entre eles.
O que o escafandrista via, em absoluta imersão, tornava-se sua única referência externa. Se não se orientasse a partir dessa outra condição, não conseguiria se mover. Ele tinha que decodificar a nova informação gerada e o seu cérebro precisava entender não só o eixo da câmera como a sua posição referencial. Só depois disso, seria capaz de caminhar.
O diretor Ricardo Karman, com colaboração do aderecista Dimitri Kuriki, concebeu uma obra que interferia nos sentidos de visão, audição e olfato do espectador. Como consequência dessa ingerência, ele passava a viver em um universo paralelo isolado e controlado. Um simulacro da realidade. Enquanto as cabeças permaneciam submersas no âmbito virtual, os pés trafegavam autônomos pela dimensão do real. A intenção era realçar a existência de uma certa fragmentação em nossa percepção contemporânea da atualidade.
O MURO DAS VÍDEO-LAMENTAÇÕES (2010)
Literalmente era um muro falante, que vociferava um discurso um tanto ranheta. A áudio-video-instalação, criação do diretor Ricardo Karman, com assistência artística de Bernardo Galegale, causava bastante estranhamento. Afinal, de onde vinha a voz daquela parede? Sem autofalantes de qualquer espécie, a eloquente estrutura sólida servia de suporte para um rosto-vídeo animado por computador, potencializado por recursos especiais de áudio. Não se tratava de simulacro de alguma coisa, mas a própria expressão artística. Sem virtualidade.
Por meio de um sistema eletrônico de emissão de ondas sonoras direcionais, era possível fazer a reflexão do som no concreto. Ancorado nessa inovadora tecnologia acoplada à vídeo-animação de Amir Admoni, o rosto-muro ganhou vida. Inusitado para quem via, o efeito produzia a nítida ilusão de que palavras brotavam da “boca” de uma criatura maciça, que ali permanecia bradando para o público atônito.
Karman havia se inspirado em um artigo publicado em uma revista científica sobre possíveis armas do futuro à base de ruídos, verdadeiros canhões de som focalizado que teriam o poder de imobilizar os inimigos à longa distância. Um análogo sonoro ao laser de luz. Beirando a ficção científica, o aparato até existe, mas sem a eficiência de um equipamento de guerra. Na ocasião, para executar seus trabalhos artísticos, o encenador chegou a importar tais equipamentos, ainda um tanto experimentais. Hoje, são dispositivos já conhecidos dos profissionais da área tecnológica.